sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Mercado da morte: bastidores do complexo Ethernus

Recepção da Ethernus. A natureza do local chama a atenção pelo reflexo.

Por Ingrid Matela e Elias Bruno

Mercado da morte: o nome da pauta já começa levantando o cabelo de alguns. Para nós dois, Elias e eu, foi bem tranquilo. Tentamos, e, ao meu ver, conseguimos, ser bem profissionais ao tratar do assunto.

De início os locais que visitaríamos eram os seguintes: o cemitério São João Batista (conhecido como o mais tradicional de Fortaleza) e a funerária Ethernus, ou como aprendemos depois, o complexo velatório Ethernus, conhecido como o mais moderno de Fortaleza.

Quem em Fortaleza já não ouviu falar do caixão que desce do teto? Ou da transmissão ao vivo do velório? Se não, prepare-se para conhecer um mundo luxuoso e contraditoriamente, suave e delicado do mercado da morte da classe A.

Antes de irmos a campo, decidimos abordar em nossa pauta, junto com a Naiana, o moderno X tradicional. O contraste entre a tradição de um ritual de velamento X o ambiente tecnológico e luxuoso que há em torno desse novo conceito de funerária. Depois percebemos que seria óbvio falar do São João Batista, e acabamos decidindo ir somente à Ethernus mesmo.

Mas tudo pareceu ainda "melhor" sem ir no "famoso" e tradicional cemitério. Bem, vou explicar. No fim do dia da apuração, voltando de ônibus para a UFC, o Elias comentou, com aquela cara de cansado e satisfeito que expressamos quando gostamos do que fazemos: "Eu fui lá achando que o foco ia ser o tecnológico, mas saí com milhares de ideias". Eu concordei com os olhos brilhando.


Um parte da entrada do complexo

Ao entrarmos, de cara senti que era um ambiente clean, que transmitia ou tentava transmitir paz. Lá não há quadros, nem janelas, por causa do conceito de passar aconchego que um dos entrevistados nos explicou. Lembrou-me um spa, mas não daqueles que as pessoas passam férias. Daqueles que as pessoas vão passar um tempo, porque estão com problemas. Isso existe? Um lugar calmo e VAZIO.

Pera aí, não havia pessoas? Sim, havia, mas todas elas estavam tão escondidas em seus devidos postos. Sabe.. elas pareciam menos relevantes do que todo aquele ambiente. No começo. Isso porque, depois entendemos, elas eram todas cheias de discrição advindas da tentativa de serenidade, na maioria das vezes bem-sucedida.

Tranquilo. Essa é a palavra que se encaixa ao meu pensamento. Em nenhum momento senti "que lugar estranho", embora em outro momento tenha pensado "que coisa estranha", em uma das conversas com uma das fontes. Mas tudo isso, lidamos sem nos emocionar com aquilo.

Nós até sentimos, mas não demonstramos nada. Tentei tratar com delicadeza o assunto. Às vezes eu olhava para o lado e lá estava o Elias ligado no 10, com aquele faro jornalístico que só ele tem.

Outra coisa a citar é que nos foi pedido para não fotografarmos as salas velatórias, nem a sala de homenagem, nos avisando que já existiam fotos no site. Respeitamos suas indicações e tiramos fotos apenas dos ambientes que eles permitiram. Uma delas foi essa da câmera de uma das salas velatórias. Há em todas as salas.
Câmera registra live, ao vivo pela internet os velórios, para aqueles da família que não puderam ou não quiseram comparecer.

No começo da tarde, entrevistamos dois dos assistentes funerários. Eram homens vestidos de terno, bem apresentados, como dizemos no linguajar popular. Eles estavam meio receosos, nos olhando cautelosos, como quem olha um jornalista curioso. Estávamos prestes a conhecer aquele lugar tão bonito e tão sério, tão intenso e tão suave, tão forte e tão delicado. Só entrando lá para saber. Foto não resolve.

Ah, falando dos entrevistados! Primeiro conversamos com os assistentes funerários. Eles lidam diretamente com a família, negociando como será o funeral e acompanhando de perto os familiares durante todo o processo velatório.

Conversamos mais longamente com um moreno e alto, do modo de falar discreto, que foi o mesmo quem nos mostrou o lugar e ficou a maior parte do tempo conosco. Saímos de lá com a impressão de que ele era um ser humano interessante. Sem contar com as informações que renderam "horrores". Brincadeira. Não teve nada de "ai, que horror". Bem, quer dizer, tirando o momento "que coisa estranha" que comentei ali em cima. Ele nos recebeu muito bem e nos esclareceu o que queríamos. Tivemos "sorte" com os personagens, sabem como é?



Outras fontes foram as duas cerimonialistas, bastante simpáticas. Elas não paravam de rir e de achar graça pelo fato de estarem sendo entrevistadas, pensando na possibilidade da suas fotos saírem e jornal.

O mais curioso de ficar na sala com elas aconteceu quando eu e o Elias, já cansados do longo tour, ouvimos uma voz feminina começar a cantar. Era uma das cerimonialistas cantarolando uma música da igreja católica, pelo que percebemos. Achei que ela estava cantando só por cantar. O Elias percebeu logo: ela estava ao telefone, cantando a música para um cliente lembrar qual era a tal canção e escolher. Foi mesmo uma das partes mais curiosa e até mesmo, engraçada. Elas disseram: “É normal”.

Elias e as cerimonialistas pa
lhançando

Por fim, conversamos na saída com uma figura interessante e afetiva, o zelador do local. Um homem com uma simplicidade que só conhecendo. Contou-nos coisas profundas de mexer até os mais gelados. Mas estávamos lá há mais ou menos duas horas, e o Elias tinha que correr para outro compromisso. Então tivemos uma conversa curta com ele. Curta, mas profunda.

Outro ponto que vem a minha memória é que, no começo, o Elias estava mais focado em números, procedimentos e locais. Já eu estava querendo conhecer as pessoas. Nos complementamos bem, penso agora. Tentei humanizar e perguntar "Como você decidiu trabalhar aqui?", "O que mudou desde então em relação a sua ideia de morte". Um lugar é feito de pessoas, eu lembrei.

O Elias perguntava "Qual a média de preço dos funerais?". "Qual o valor mais alto que pode chegar aqui?", "Como é que se dá o velório?", "Quais são os serviços aqui? Quais os seus valores?". "Qual a coisa mais curiosa que vocês já viram aqui?". Ele arrancou as perguntas mais chatas de se responder. “Nós precisamos mostrar como é esse mercado”, deve ter passado pela mente jornalística do meu amigo Elias.

Com tudo isso, fiquei pensando se devemos ou não revelar os nomes dessas pessoas. Acho a resposta: não há problema, pelo fato de haver a nossa seleção das informações. Algumas coisas foram bastante pessoais e essas certamente não entrarão. Tiveram assuntos que não foram legais de ouvir, e que não entrarão, porque não faz parte da abordagem. Só cito por causa do bastidor, do tal "desafio da reportagem".

De mais importante, resumo: colhemos informações ricas para a nossa pauta e conversamos com bons personagens. Em especial, destaco (assim como Elias se impressionou), o assistente moreno que nos mostrou com paciência toda a Ethernus, nos dando explicações detalhadas sobre os procedimentos velatórios, as homenagens e os ambientes que existem lá.

Na Ethernus, há quatro salas velatórias, às quais não pudemos fotografar, cada uma com nome de uma FLOR. Há uma sala de homenagem, uma lan house e um café. Uma "loja" de caixões, urnas e roupas. Tem até árvore de Natal.

Eu com a Árvore de Natal da recepção. A recepcionista conta que as pessoas gostam de tirar foto a árvore, mesmo em meio a um velório. Segundo ela, a dona da Ethernus é quem decide a decoração.

Se eu pudesse resumir essa tarde que passamos lá, eu diria mais ou menos assim: eu e o Elias fomos conversar com seres humanos em um lugar que poderia ser o lugar da morte, mas parece muito mais o lugar dos vivos; são pessoas cuidando a trabalho dos que choram pelos que se foram.

São seres humanos que ganham a vida lidando com a morte. Uns mais emotivos, outros menos; uns mais frios, outros mais sensíveis. Uns mais centrados, outros mais brincalhões. É um trabalho. Um trabalho sério, lucrativo, e mesmo assim humano. O trabalho de lidar com o sentimento de perda.

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