Por Ed Borges
Foto de arquivo pessoal |
Aquele
sábado começou de forma surpreendente. Após uma sexta-feira cheia de trabalho e
de um sono pesadíssimo, acordei às 7 horas para continuar minha vida de
escravidão perante as obrigações da faculdade. Mas, antes disso, eu ainda teria
de falar com Silvia, universitária transexual que era uma das minhas
principais fontes para a matéria de jovens que assumem a sexualidade para a
família.
Às nove
horas, resolvi ligar para ela, crente de que a entrevista seria à luz vespertina,
o que me dava tempo de executar um dos milhares de deveres pendentes. “Alô
Silvia? Será que podemos fazer aquela entrevista hoje?”. A voz do outro lado me
respondeu com uma surpresa. “Pode sim. Mas eu só vou poder falar com vocês
entre 10h e 11h, porque tenho compromissos de tarde”.
Instantaneamente
meus olhos se arregalaram. Se eu estivesse em um desenho animado antigo, eles
com certeza teriam saltado do meu globo ocular. Eu ainda estava de pijamas e
nem tinha escovados os dentes! De tão aperreado, só deu tempo de ligar para
Tamara, nossa cinegrafista/fotógrafa profissa. Ai Meu Deus, ela mora em
Caucaia! Vai demorar... O jeito foi espantar a remela dos olhos e torcer que
desse tempo, para nós dois.
Às 10h,
cheguei ao Centro de Humanidades da UFC, ponto de encontro com Tamara, que
apareceu dois minutos depois. Agora era hora de peregrinar com tripé e câmera
pelo Benfica, à procura da casa de Silvia. Alguns metros percorridos e alguns
enganos depois, encontramos o prédio. Mas não o apartamento. Após um breve
desespero, a sorte nos ajudou e achamos o caminho certo.
Silvia
também havia acabado de acordar e nos recebeu em sua camisola delicada de
oncinha. Começamos conversando sobre a novela Avenida Brasil, para que ela pudesse
me atualizar daquilo que estava acontecendo. Aí, decidimos começar a
pré-entrevista, para que logo em seguida pudéssemos iniciar a gravação do
vídeo. A prévia foram só três horas de conversa, durante as quais o vídeo e o
almoço dançaram.
Foto de arquivo pessoal |
A jovem
nos recebeu de braços abertos. Disse-nos todos os detalhes de sua vida,
(leia-se todos MESMO). Recordou a infância na escola católica e as travessuras
aprontadas, ainda enquanto era Emílio. Rememorou as primeiras paixões, pasmem,
por meninas. Relembrou a descoberta da sexualidade, com o apoio de amigos e
professores. À cadência da narração teatralizada de Silvia, eu via as cenas
imaginárias se formando em frente aos meus olhos, ora me divertindo, ora me
angustiando, qual em um livro de aventuras adolescentes.
E a
cada palavra de recordação proferida, era como um golpe de nostalgia que
atingia em cheio meu peito e o de Tamara. Isso porque ambos tivemos quase a
mesma vida de Silvia, só que em contextos diferentes. Nós dois também estudamos
em colégios católicos e também tivemos as primeiras paixões na mesma época.
Livre
de qualquer constrangimento, a jovem nos revelou as loucuras de amor, as
palhaçadas nas salas de aula e a luta pelos seus direitos, como o de usar o
banheiro feminino na universidade. E em cada relato, a cada som que eu ouvia, só
me vinha um pensamento. “Que mulher cheia de coragem!”. Desprovida de qualquer
amarra que a detenha, ela vive intensamente, seja para se jogar literalmente na
lama por um amor ou para abrir mão de tudo pelo movimento estudantil. E é
basicamente disso que ela é feita, de liberdade.
Um comentário:
Meninos,
Relato profundo, envolvente e envolvido. Gostei mto do recurso das fotos e essa personagem parece ser mesmo mto interessante, com uma história de vida de emocionar. Ah, e ficou bem legal a descrição pormenorizadas do momento pré-realização da pauta.
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