quarta-feira, 13 de junho de 2012

Uma vida sem amarras


Por Ed Borges

Foto de arquivo pessoal
Aquele sábado começou de forma surpreendente. Após uma sexta-feira cheia de trabalho e de um sono pesadíssimo, acordei às 7 horas para continuar minha vida de escravidão perante as obrigações da faculdade. Mas, antes disso, eu ainda teria de falar com Silvia, universitária transexual que era uma das minhas principais fontes para a matéria de jovens que assumem a sexualidade para a família.

Às nove horas, resolvi ligar para ela, crente de que a entrevista seria à luz vespertina, o que me dava tempo de executar um dos milhares de deveres pendentes. “Alô Silvia? Será que podemos fazer aquela entrevista hoje?”. A voz do outro lado me respondeu com uma surpresa. “Pode sim. Mas eu só vou poder falar com vocês entre 10h e 11h, porque tenho compromissos de tarde”.

Instantaneamente meus olhos se arregalaram. Se eu estivesse em um desenho animado antigo, eles com certeza teriam saltado do meu globo ocular. Eu ainda estava de pijamas e nem tinha escovados os dentes! De tão aperreado, só deu tempo de ligar para Tamara, nossa cinegrafista/fotógrafa profissa. Ai Meu Deus, ela mora em Caucaia! Vai demorar... O jeito foi espantar a remela dos olhos e torcer que desse tempo, para nós dois.

Às 10h, cheguei ao Centro de Humanidades da UFC, ponto de encontro com Tamara, que apareceu dois minutos depois. Agora era hora de peregrinar com tripé e câmera pelo Benfica, à procura da casa de Silvia. Alguns metros percorridos e alguns enganos depois, encontramos o prédio. Mas não o apartamento. Após um breve desespero, a sorte nos ajudou e achamos o caminho certo.

Silvia também havia acabado de acordar e nos recebeu em sua camisola delicada de oncinha. Começamos conversando sobre a novela Avenida Brasil, para que ela pudesse me atualizar daquilo que estava acontecendo. Aí, decidimos começar a pré-entrevista, para que logo em seguida pudéssemos iniciar a gravação do vídeo. A prévia foram só três horas de conversa, durante as quais o vídeo e o almoço dançaram.
Foto de arquivo pessoal

A jovem nos recebeu de braços abertos. Disse-nos todos os detalhes de sua vida, (leia-se todos MESMO). Recordou a infância na escola católica e as travessuras aprontadas, ainda enquanto era Emílio. Rememorou as primeiras paixões, pasmem, por meninas. Relembrou a descoberta da sexualidade, com o apoio de amigos e professores. À cadência da narração teatralizada de Silvia, eu via as cenas imaginárias se formando em frente aos meus olhos, ora me divertindo, ora me angustiando, qual em um livro de aventuras adolescentes.

E a cada palavra de recordação proferida, era como um golpe de nostalgia que atingia em cheio meu peito e o de Tamara. Isso porque ambos tivemos quase a mesma vida de Silvia, só que em contextos diferentes. Nós dois também estudamos em colégios católicos e também tivemos as primeiras paixões na mesma época.

Livre de qualquer constrangimento, a jovem nos revelou as loucuras de amor, as palhaçadas nas salas de aula e a luta pelos seus direitos, como o de usar o banheiro feminino na universidade. E em cada relato, a cada som que eu ouvia, só me vinha um pensamento. “Que mulher cheia de coragem!”. Desprovida de qualquer amarra que a detenha, ela vive intensamente, seja para se jogar literalmente na lama por um amor ou para abrir mão de tudo pelo movimento estudantil. E é basicamente disso que ela é feita, de liberdade.

Um comentário:

Naia disse...

Meninos,

Relato profundo, envolvente e envolvido. Gostei mto do recurso das fotos e essa personagem parece ser mesmo mto interessante, com uma história de vida de emocionar. Ah, e ficou bem legal a descrição pormenorizadas do momento pré-realização da pauta.