domingo, 27 de janeiro de 2013

Chácara de memórias

Benfica, bairro de muita história e tradição. Boemia incrustada em todos os seus cantinhos e algumas dezenas de bares aconchegantes. Aquele clima bucólico que expira paz e sombras frescas, é o local, também de diversas construções históricas, como a Chácara Flora. Ou onde ela costumava se sustentar.  

A Chácara, que estava em vias de tombamento, foi demolida na manhã do dia 30 de dezembro de 2011. De acordo com informações do blog de Fátima Garcia, socióloga com especialização em Gestão Ambiental e mestrado em Meio Ambiente, a chácara era remanescente de um conjunto de terras que compunham o antigo Sítio Benfica. Foi construída em 1898 e estava localizada na rua Marechal Deodoro, nº 818, logo atrás do Bosque de Letras do Campus da UFC no Benfica.

A história de Rafaela
Rafaela em sua casa  no Benfica |  Foto: Carolina Esmeraldo

A Chácara Flora faz parte da história da Cidade como um imóvel que guarda as raízes fortalezenses. Porém, o local também fincou laços afetivos com pessoas em especial. Rafaela Alene, hoje com 28 anos, conta que morou lá de 1998 a 2010 e que a situação era mais complicada do que se imagina. “As pessoas romantizam: essa é a verdade. não era tudo isso não. Era agradável? Era. Era bom não ter vizinhos, era ótimo ter espaço, não tinha garagem apertada, podia parar quantos carros quisessem. Mas a casa toda não era essa coisa toda de maravilha não”, argumenta Rafaela.

O adorno da cama fazia parte do teto da Chácara | Foto: Carolina Esmeraldo
A estrutura do imóvel já estava comprometida. De acordo com os relatos de Rafaela, os períodos de chuva eram os que mais assustavam a família. “Meu quarto era no andar de cima e não era forrado, era só na telha. Já aconteceu de cair catita no meu quarto! Quando chovia era pânico... Se trovejasse, a casa toda tremia, morrendo de medo do teto desabar", comenta Rafaela. Na verdade, o teto chegou a ceder, por volta de 2006, na área que ela usava como escritório. O forro sustentou a queda, mas eles precisaram remover tudo que estava no ambiente. “Se a casa tivesse lá até hoje, tinha caído”, completa.
Rafaela aponta para a janela do seu quarto | Foto: Carolina Esmeraldo


Rafaela reclama da dificuldade de morar numa casa com mais de um século de existência. Porém, ela leva lembranças positivas do período em que passou lá. “Eu tenho duas irmãs e quando eu me mudei pra lá, foi a primeira vez que eu tive meu quarto, só meu. E era enorme! Eu ia decorando nos mínimos detalhes”, lembra. As festas que ela organizava na casa também são motivos de saudades. “O Halloween que eu dei ali foi histórico! Todo mundo da minha turma lembra! Quando saíram matérias dizendo que a casa ia ser demolida, meus colegas do colégio, que eu não vejo há anos, relembraram com saudade das festas”, diz.

A dialética vivida por Rafaela mudou quando o proprietário da casa pediu o imóvel de volta. “A casa era alugada e o dono pediu. A gente já sabia que ele estava com essa intenção de derrubar. Em 2010 ele entrou com um processo pra botar a gente na rua. Ele pediu pra gente sair, mas, imediatamente já entrou com um processo”, informa.

O processo de demolição custou à empresa responsável (Construtora e Imobiliária Douglas) uma multa de aproximadamente R$ 850 mil. Em casos como esses, uma multa financeira basta para resolver o caso e calar a sociedade? É preciso preservar a memória de Fortaleza. Um povo sem memória é um povo sem vida.
Lembranças da chácara: Rafaela adotou 9 gatinhos que moravam  com ela | Foto: Carolina Esmeraldo

Carolina Esmeraldo

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